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Global Columns

Joe Biden e o fracasso da política para a América Latina

Andrea G

El Estadão / Moisés Naím e tradução de Augusto Calil

Na Guatemala, El Salvador e Honduras vivem cerca de 34 milhões de pessoas. América Latina e Caribe têm 658 milhões de habitantes. Os problemas desses países da América Central são enormes. Os do restante da América Latina são ainda mais graves.

Até agora, Joe Biden  e sua equipe tiveram tempo de atender somente a crise imigratória produzida pela onda de centro-americanos que buscam refúgio nos Estados Unidos. Biden conhece bem a situação da América Central, já que, em 2014, o presidente Obama o encarregou de lidar com a crise imigratória. Essa tarefa permitiu ao então vice-presidente aprofundar-se no problema.

Assim que Donald Trump chegou à Casa Branca, ele reverteu progressos – certamente minguados – que Biden tinha alcançado e se concentrou em construir um muro entre México e EUA. Agora, já como presidente, Biden é afrontado com o mesmo problema. Os custos políticos para os EUA em razão do caos na fronteira são significativos e, portanto, conter essa crise é uma prioridade que toma a atenção da Casa Branca.

E para o restante da América Latina e do Caribe? Qual é a política dos Estados Unidos? Não sabemos. Essa desatenção do governo americano em relação aos seus vizinhos do sul tem sido a norma durante décadas. Os EUA sempre têm problemas mais graves e urgentes do que aqueles vindos da América Latina. Mas, talvez, nestes tempos, ignorar as crises latino-americanas pode se mostrar mais oneroso do que no passado.

A América Latina não está passando por um bom século 21. Os dois gigantes da região – Brasil e México – estão nas mãos de populistas apaixonados por péssimas ideias, que praticam com fruição a necrofilia ideológica – o amor cego a ideias que, comprovadamente, sempre fracassam.

Conforme os partidos políticos da região se atrofiam e as economias afundam, a democracia entra em perigo. No Peru, dois candidatos abomináveis se enfrentam no segundo turno das eleições presidenciais. No Equador, um presidente eleito que parece sensato enfrentará um Congresso fragmentado e corrupto que dificultará muito seu governo. O Chile politicamente estável das décadas mais recentes já não é assim, e a Argentina continua sendo a Argentina – só que pior. O Brasil se prepara para um choque de titãs populistas: Bolsonaro versus Lula.

Enquanto a política fracassa e os políticos trocam insultos, a América Latina, com somente 8% da população mundial, registra 28% de todas as mortes por coronavírus no planeta.

Em outra época, nos EUA, um governo democrata de centro teria tentado dinamizar economias, buscando formas de proteger a democracia. Estimular o comércio entre América Latina e EUA, por exemplo, é uma ideia válida que hoje nem sequer é mencionada. O ímpeto antiglobalização que impera no Partido Democrata o impede.

Rompendo uma tradição de três décadas, o presidente Biden nem mesmo solicitou ao Congresso (controlado por seu partido) que lhe dê autoridade para negociar acordos comerciais com outros países. Um tratado de livre-comércio entre EUA e Brasil, ao qual poderiam se juntar outros países, teria um impacto imensamente positivo. Mas ninguém acredita que seja factível.

Em relação a Nicarágua e Venezuela, países onde a democracia deixou de existir, a equipe de Biden ainda não apresentou novas ideias. A realidade é que Washington abandonou a América Latina na pandemia. Até aliados tradicionais dos americanos se veem obrigados a negociar vacinas russas e chinesas.

De sua parte, Moscou e Pequim estão aproveitando ao máximo a oportunidade que a falta de interesse de Washington lhes abre. O governo Biden limitou-se a alertar seus aliados regionais a respeito de quão inaceitável é a adoção da tecnologia da Huawei para o desenvolvimento de suas redes 5G. Enquanto isso, a China traz suas vacinas a milhões de braços da região.

As democracias latino-americanas estão sendo submetidas a duras provas. Líderes com propensões antidemocráticas dirigem agora não somente Brasil e México, mas também Argentina, Bolívia e, logo, também o Peru. Na Colômbia, a mais de um ano das próximas eleições, um candidato de extrema esquerda lidera as pesquisas. Deste modo, o aliado mais fiel dos EUA na região poderia deixar de sê-lo.

Isso deveria colocar Washington em alerta. Afinal, se o fracasso de três pequenos países do extremo norte da América Central é capaz de gerar tanto caos na fronteira sul dos EUA, não é difícil imaginar o que poderia acontecer se o mesmo ocorrer nos países maiores. A Venezuela, com os quase 6 milhões de emigrantes que produziu, deveria servir de lição: as grandes democracias também podem ruir e desestabilizar o restante da região.

A crise da América Central sem dúvida precisa ser respondida. É necessário diminuir as forças que levam famílias inteiras a abandonar seu país ou a enviar seus filhos pequenos sozinhos a uma travessia perigosíssima. Mas a resposta à crise centro-americana não pode ser dada sob o custo de ignorar a crise latino-americana. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

É ESCRITOR VENEZUELANO E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT