O mundo após as crises
Andrea G
El Estadão / Moisés Naím e tradução de Terezinha Martino
“O mundo mudou para sempre”. Foi o que se afirmou depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. A mesma coisa se verificou após a grande recessão, que durou de 2007 a 2009. E ocorre também depois de cada um dos colapsos financeiros que regularmente sacodem o planeta. A análise das crises internacionais que temos vivido desde a década de 80 revela vários fatores recorrentes. Alguns já estamos observando nesta pandemia de covid-19. Outros não. Há cinco que vale a pena destacar:
1. O exagero do impacto da crise. Os prognósticos quanto a mudanças no mundo são exagerados. Depois das crises anteriores, o mundo não mudou, nem para sempre e nem para todos. Claro que o terrorismo e os colapsos econômicos tiveram grande impacto. Mas, na prática, houve mais continuidade do que revolução. As crises não mudaram o mundo tanto como foi anunciado por políticos e jornalistas.
2. A reação dos governos tem muito mais impacto do que o próprio fato que produz a crise. O 11 de Setembro causou a morte de 3 mil pessoas e perdas de US$ 100 bilhões. A reação de Washington custou US$ 3 trilhões. Os conflitos no Iraque, Afeganistão e Paquistão mataram 480 mil, incluindo 244 mil civis. O mesmo ocorreu com o colapso financeiro de 2007. A gigantesca ajuda financeira dos governos para grandes empresas teve mais impacto do que a própria crise. Os governos privilegiaram as grandes empresas privadas às expensas da classe média e dos trabalhadores. Isto agravou a desigualdade e impulsionou o descontentamento social que, por sua vez, fortaleceu o populismo e terminou alterando a política em muitos países.
3. As crises não são globais. A recessão de 2007 a 2009 foi tão grave e a reação dos governos das economias desenvolvidas foi tão maciça que era natural supor que se tratava de uma crise econômica mundial. Mas não foi. China, Brasil e outros mercados emergentes não se viram tão afetados. Melhor, eles se converteram nas locomotivas da economia global e ajudaram a reanimar as economias prostradas dos EUA e Europa.
4. A rotineira necessidade de reformas que nunca ocorreu. Outro fator comum que nunca falta nas crises é o apelo para reformas das instituições internacionais, a democracia e o capitalismo. Ao eclodir uma crise é comum que líderes políticos e intelectuais peçam a eliminação – ou uma reforma profunda – de ONU, Otan, FMI, Banco Mundial ou do setor privado. Como sabemos, nada disso ocorreu até hoje.
5. O que acreditávamos ser permanente, acabou sendo transitório, e vice-versa. Outro dos elementos comuns nas crises é o surpreendente desaparecimento ou a total irrelevância de líderes e instituições que considerávamos permanentes e onipotentes. Saddam Hussein, Muamar Kadafi, os poderosos executivos dos grandes bancos, e os próprios bancos, são bons exemplos. Por outro lado, ideias, líderes, acordos internacionais e políticos que pareciam transitórios se tornaram permanentes. O auge do populismo sem rédeas, simbolizado por Donald Trump e Boris Johnson, ilustra esta tendência.
É possível que as lições que tiramos de outras crises não se apliquem à pandemia de covid-19. Ela é diferente de todas as outras grandes crises que ocorreram desde o século passado. O coronavírus desencadeou uma instabilidade mundial diante da qual nenhum país está imune. A tecnologia, a globalização, a revolução digital, o fato de que, desde 2009, no mundo há mais pessoas vivendo nas cidades do que no campo, e a ausência de um tratamento para o vírus, são apenas alguns dos fatores diferenciadores desta crise.
Mas, apesar de todas as diferenças, também há coisas que vimos nas crises passadas e que se repetem nesta. Não é impossível que, no longo prazo, a reação exagerada ou inepta dos governos venha a causar tanto ou mais danos que a própria pandemia. Tampouco faltou nesta crise a denúncia das organizações multilaterais. O governo americano deixou de pagar sua cota para a OMS e pediu sua total reestruturação.
A pandemia também provocou situações que começaram como um paliativo e se tornarão permanentes. O trabalho remoto é o mais óbvio dos exemplos. Finalmente, um fator comum a todas as crises é a proliferação de teorias conspiratórias para explicar o que ocorre e o número crescente de charlatães que se aproveitam da confusão para vender ideias ou produtos fraudulentos. Como vemos de sobra nos noticiários, esta pandemia não é imune ao impacto dos charlatães que brincam de ser presidente. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO