Sem precedentes
Andrea G
El Estadão / Moisés Naím e tradução de Augusto Calil
“Chegamos aos primeiros 100 mil casos de infecção pelo coronavírus em 67 dias. Onze dias depois, chegamos a mais 100 mil, e o terceiro grupo de 100 mil infectados foi produzido em 4 dias. Depois, em apenas dois dias, foram outros 100 mil.” Foram as palavras de Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor da Organização Mundial da Saúde, aos líderes que participaram de uma reunião de cúpula a respeito da covid-19. “Estamos em guerra”, disse. “E temos de fazer mais. Não é uma opção, e sim uma obrigação.”
No dia seguinte, o Senado dos EUA, historicamente disfuncional e fraturado, aprovou por unanimidade o maior pacote de medidas de ajuda econômica da história da humanidade. Mais de US$ 2 trilhões serão entregues a pessoas, governos locais e empresas privadas com o objetivo de mitigar a devastação causada pelas medidas necessárias ao enfrentamento da pandemia.
Quanto são US$ 2 trilhões? A explicação de Antony Bugg-Levine é: “Se, durante 24 horas por dia, por sete dias, a cada segundo, somarmos uma nota de um dólar, em aproximadamente duas semanas teremos juntado US$ 1 milhão. Para se chegar a US$ 1 bilhão, levaríamos 40 anos. Para chegar a US$ 2 trilhões, levaríamos 80 mil anos”.
A magnitude dessa iniciativa econômica é surpreendente. Mas ainda mais surpreendente é o fato de nem mesmo essa inusitada injeção de dinheiro ser suficiente para evitar uma contração da economia americana. A maioria dos especialistas imagina que, neste ano, teremos uma recessão nos EUA. Essa recessão causará um número sem precedentes de demissões, despejos de estabelecimentos por falta de pagamento do aluguel e uma onda de empresas quebradas.
O pessimismo se deve, primordialmente, aos inevitáveis riscos e problemas na distribuição dos US$ 2 trilhões aprovados pelo governo, bem como à continuidade da catástrofe sanitária. Pode ser que, para muitos dos possíveis beneficiários, o socorro financeiro chegue tarde. Muitas pequenas e médias empresas que ficaram sem clientes podem se ver forçadas a fechar as portas antes que chegue o auxílio financeiro.
Esses consumidores que não compram mais estão agora fazendo fila para cobrar o seguro-desemprego. Três semanas atrás, os EUA receberam 200 mil pedidos de ajuda econômica por parte de pessoas que perderam o emprego. O número mais alto de solicitações ocorreu em 1982, quando 650 mil trabalhadores pediram seguro-desemprego. Na semana passada, esse número foi de 3,3 milhões de pessoas, dez vezes mais do que na semana anterior.
A economia americana não é a única que está com problemas. A da China, por exemplo, ia mal antes da covid-19. Agora, a pandemia e as eficazes (ainda que severas) reações do governo causaram a segunda contração econômica mais grave da história do país desde os anos 70.
Lutar contra o coronavírus é muito caro e esse custo se traduz em aumento sem precedentes no gasto público e nos níveis de endividamento do governo. Esse impacto é ainda mais grave nos países com grandes populações, economias precárias e sistemas de saúde fracos. Índia, Nigéria, Paquistão, Brasil, África do Sul, Bangladesh e México são exemplos de países pobres e populosos que sofrerão fortes crises fiscais.
Uma pandemia que deve ser enfrentada com ações locais, como o isolamento dos indivíduos e a solidariedade social, exige também uma grande dose de coordenação internacional. Os países devem se ajudar e atuar conjuntamente em relação a suas políticas econômicas, sua coordenação financeira e monetária, as políticas de crédito e a eliminação de barreiras ao comércio de remédios, materiais e equipamento hospitalar, por exemplo.
A atuação local, no nível mais individual possível, faz tanta falta quanto a atuação global no nível mais multilateral possível. Isso é possível, e o mundo já o fez antes. Na grave crise econômica mundial de 2007 e 2009, foi reativado o G-20, uma organização formada em 1999 por duas dezenas de países, que até então tinha sido irrelevante. Os chefes de governo dos países integrantes se revezam na liderança do G-20 e, durante a crise financeira, coube ao então primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, atuar como líder do G-20.
Brown e outros de seus colegas decidiram converter o G-20 no centro de coordenação econômica do mundo. Ainda que erros tenham sido cometidos nas respostas à grande recessão, também é verdade que o G-20 reativado e ativista contribuiu para que o estrago do imenso crash de 2007 e 2009 não fosse ainda pior.
Na crise que estamos vivendo, o isolamento individual salva vidas. Mas, no nível dos países, o isolamento nacional só fará com que os custos da crise sejam ainda maiores. Nessa pandemia sem precedentes, há precedentes que podem ser muito úteis. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL