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Global Columns

A força da TV sucata

Andrea G

El Estadão / Moisés Naím e tradução de Roberto Muniz

Existe a televisão que enaltece e a que emburrece. Existe a televisão que ensina, faz pensar, nos leva a lugares que jamais visitaremos e nos confronta com os grandes dilemas da vida. Também existe a que deliberadamente degrada, engana, confunde. E existe, obviamente, uma televisão que nos distrai e entretém.

Com frequência, a TV que procura nos educar é insuportavelmente chata, enquanto a que tenta nos manipular polariza e desinforma. Ao mesmo tempo, a TV que simplesmente nos entretém é politicamente irrelevante. Ou pelo menos achávamos que é assim.

Uma pesquisa recente descobriu que a televisão anódina, superficial e popular tem consequências nefastas. Esse tipo de TV – a televisão sucata – tem maus efeitos sobre a política, por mais que em seus programas nunca se fale de política. A conclusão é de uma fonte inesperada: The American Economic Review, talvez a publicação sobre assuntos econômicos mais respeitada do mundo. Numa edição recente, ela trouxe um artigo dos professores Rubén Durante, Paolo Pinotti e Andrea Tesel intitulado O Legado Político da Televisão de Entretenimento

Os autores aproveitaram os dados colhidos no início dos anos 80 pela entrada em diferentes regiões da Itália pela Mediaset, a rede privada de televisão de Silvio Berlusconi, para avaliar o impacto político da TV comercial.

Combinaram os dados da penetração do sinal das estações de Berlusconi nas distintas regiões com informações sobre audiência e a exata distribuição geográfica do público.

Também obtiveram resultados de pesquisas de opinião e de testes psicológicos, informações sobre a natureza dos programas e muitos outros dados. Os pesquisadores aplicaram a essas bases de dados sofisticados modelos estatístico que lhes permitiram identificar as características dos que cresceram vendo os programas da Mediaset e dos que não tiveram acesso a esses conteúdos. Os resultados são surpreendentes. 

Adultos com conhecimentos menos sofisticados

Os dados mostram que os que cresceram vendo os conteúdos da Midiaset acabaram sendo adultos com conhecimentos menos sofisticados e com menor consciência cívica do que os que não tiveram acesso aos programas. Em outro exemplo, testes psicológicos aplicados a um contingente de jovens militares revelaram que aqueles que vinham de regiões onde se podia sintonizar estações de Berlusconi tinham um desempenho de 8% a 25% mais baixo que seus colegas que não viram essas emissoras em seus anos de formação.

O mesmo foi constatado sobre o desempenho em matemática e leitura. Crianças e adolescentes que foram telespectadores da Midiaset tiveram resultados significativamente inferiores aos dos que não tiveram acesso a esses canais.

Todos sabemos que a televisão influi sobre nossas condutas e opiniões. Não há nada de novo ou surpreendente nessa afirmação. Sabemos igualmente que o uso de campanhas de propaganda política para influenciar as massas é tão antigo quanto universal. Tampouco é novidade que os poderosos – ou os que desejam sê-lo – utilizam a televisão para conseguir seus objetivos. Portanto, é tentador desdenhar desse estudo notando que isso é o que ele buscava provar – e provou amplamente: que Berlusconi tem uma televisão a serviço de suas ambições políticas. 

Entretanto, não é assim, ou pelo menos não era no começo da entrada das empresas de Berlusconi no mercado televisivo italiano. Desde sua fundação, em 1944, a televisão italiana havia sido dominada por um monopólio estatal: a RAI, canal que teve uma clara missão educativa e cultural. No final dos anos 70, esse monopólio foi sendo quebrado pela entrada de emissoras privadas que atendiam a mercados regionais.

Portas da política se abriram a Berlusconi após a operação Mãos Limpas

Quem mais agressivamente foi comprando e consolidando essas empresas regionais em uma só rede foi Berlusconi. Nessa época inicial, nem esse empresário pensava em entrar para a política – então ferreamente controlada por uns poucos partidos e seus líderes todo-poderosos – nem suas emissoras locais transmitiam conteúdo político ou ideológico.

A estratégia dessa TV era puramente comercial e isso se refletia na sua programação: variedades, esportes, filmes, jogos de auditório. Foi nos anos 90, quando a crise de corrupção conhecida como operação Mãos Limpas demoliu o sistema político italiano, que as portas da política se abriram para Berlusconi.

O sistema mudou, os partidos tradicionais entraram em colapso e novos protagonistas da política passaram a competir pelos votos dos italianos, que queriam caras novas. Novamente, ninguém aproveitou melhor essa oportunidade que Silvio Berlusconi, que pôs rápida e eficazmente suas empresas a serviço de suas ambições políticas. Em 1990, metade dos italianos já tinha acesso à Mediaset. Em 1994, Berlusconi foi eleito primeiro-ministro da Itália.

O impacto político de tudo isso também foi analisado pelos autores do estudo sobre a televisão sucata. Os que assistiram à Mediaset quando crianças e adolescentes mostram agora, como adultos, maior propensão a apoiar políticos e ideias populistas do que seus pares que não assistiram. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ