Duas derrotas dos EUA
Andrea G
El Estadão / Moisés Naím e tradução de a equipa do Estadao
No Afeganistão, não foi apenas derrotado o exército mais caro e tecnologicamente avançado do planeta. Também foram derrotadas duas ideias que até agora haviam exercido muita influência no mundo ocidental. A primeira é que a democracia pode ser exportada e a segunda é que os militares americanos são os melhores.
Desde o colapso da União Soviética, uma das políticas mais permanentes e populares nos países ricos tem sido a de promover a democracia em países que não a possuem ou onde ela é precária e disfuncional. Lamentavelmente, o dinheiro, a tecnologia e as intervenções militares não conseguiram resultados muito satisfatórios.
As transições de ditaduras a democracias têm tido mais sucesso quando valentes e talentosos líderes políticos locais desempenham um papel central e levam o povo a tomar ruas, praças e a paralisar o país. E quando há divisões dentro da ditadura e os militares se recusam e reprimir seus compatriotas.
No melhor dos casos, o apoio estrangeiro às transições democráticas é secundário. Em outros, a intervenção , ao invés de acelerar as transições à democracia, costuma interrompê-las.
A exportação da democracia não é apenas uma ideia abstrata, uma obrigação moral ou uma promessa política. Também se converteu em um grande negócio que movimenta enormes quantias de dinheiro. Estima-se que os Estados Unidos, a União Europeia, o Canadá, a Austrália, os países escandinavos e outros gastem cerca de US$10 bilhões por ano para apoiar programas que visam fortalecer a democracia.
Esta imensa quantia de dinheiro é apenas uma fração do que os Estados Unidos gastaram no Afeganistão. Nos últimos 20 anos, o governo americano gastou US$145 bilhões em atividades de reconstrução, o que não inclui, entre outros, os custos da guerra.
Um estudo da Universidade de Brown estimou o gasto americano no Afeganistão em US$ 2,2 trilhões.
O caso afegão ilustra de uma forma muito dolorosa como duas décadas de intervenção militar multinacional, amplo apoio político mundial, centenas de milhares de mortos e quantias inimagináveis de dinheiro não foram suficientes para consolidar a democracia.
Força
Outra ideia que ficará difícil de defender, é a de que os Estados Unidos contam com as Forças Armadas mais competentes e poderosas do mundo. Sem dúvida, é o exército mais tecnologicamente sofisticado do planeta. E o mais caro. Mas não é o mais bem-sucedido. Ver um taleban de sandálias, turbante e metralhadora e compará-lo com um fuzileiro naval com lentes de visão noturna, explosivos especiais e suporte de drones, aviões e satélites não pode ser mais revelador. Equipar um taleban deve ter custado algumas centenas de dólares. Equipar o fuzileiro naval custa US$ 17.500 sem contar os custos do suporte aéreo, cibernético e logístico. O fato de o taleban ter vencido será estudado por muito tempo nas escolas militares.
É interessante notar que essas duas ideias derrotadas em Cabul têm em comum o excesso de dinheiro como um fator que, ao invés de ajudar a alcançar o objetivo desejado, desvirtuou o esforço e, em última instância, contribuiu com sua derrota.
É muito importante que se tirem as lições corretas dessas derrotas. Seria um erro concluir que os países que são o baluarte da democracia mundial devam cessar seus esforços para proteger e fortalecer as democracias débeis que hoje se proliferam. O importante é entender quais são as áreas em que a ajuda estrangeira pode ser mais útil e qual deve ser a forma dessa ajuda. É óbvio que a maneira com a qual a promoção da democracia foi instrumentalizada não está funcionando.
O mesmo vale para os militares dos Estados Unidos. Claro que devem dispor da melhor tecnologia disponível e que seus efetivos devem ter o melhor treinamento e equipe. Mas isso custa US$ 740 bilhões? O gasto militar norte americano deve superar a soma de todo gasto militar dos 11 países que mais gastam com suas Forças Armadas? Esses pressupostos praticamente ilimitados não são uma fonte de erros estratégicos? A guerra no Afeganistão teria durado duas décadas se os militares tivessem mais restrições orçamentárias? Minha resposta a todas essas perguntas? Não.
*É ESCRITOR VENEZUELANO E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT