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Global Columns

Zika, EI e Trump

Andrea G

El Estadão / Moisés Naím e tradução de Terezinha Martino

Não poderiam ser mais diferentes. Zika é um vírus, o Estado Islâmico (EI) é um grupo terrorista e Trump é...Trump. E os três têm surpreendido o mundo. Ocorre que eles têm mais em comum do que parece, à primeira vista. São a versão para o século 20 de fenômenos antigos e recorrentes: epidemias, terrorismo e demagogia.

Os três aparentam ser muito recentes. A epidemia de Zika começou em 2015, o EI nasceu em 2014 e Donald Trump anunciou sua pré-candidatura pelo Partido Republicano nos Estados Unidos em 2015. Os três, porém, possuem antecedentes.

O zika foi identificado pela primeira vez em 1947, encontrado em um macaco em uma selva em Uganda. Os líderes do EI têm uma longa trajetória em outras organizações terroristas islâmicas. Quanto a Donald Trump, em 1987, ele já anunciara aos meios de comunicação que pretendia candidatar-se à presidência dos Estados Unidos, um plano que, na época, não prosperou. No entanto, apresentou-se em 2000, participando como pré-candidato presidencial nas eleições primárias do Partido da Reforma.

Embora epidemias, terroristas e demagogos sempre tenham existido, as recentes manifestações pegaram o mundo de surpresa e sem respostas eficazes para contra-atacar seus nefastos efeitos.

Suspeita-se que o zika seja transmitido especialmente pelo mosquito Aedes aegypti. Em fevereiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que tanto o repentino aumento no Brasil de recém-nascidos com microcefalia, assim como de pessoas afetadas pela síndrome Guillain-Barré (doença rara que atinge o sistema nervoso), constituem um problema de saúde pública preocupante e de emergência internacional.

O Aedes aegypti é bem conhecido das autoridades sanitárias e cientistas, mas o novo vírus que transmite, o zika, não é. Estão sendo feitos enormes investimentos para prevenir os surtos e conter a epidemia. E foram intensificadas as investigações científicas para descobrir vacinas contra o zika e curas para a infecção.

No entanto, o fato é que a comunidade internacional não está preparada para enfrentar a epidemia e pouco se conhece sobre esta ameaça ou a maneira de combatê-la. É um vírus antigo que adquiriu nova força.

Ocorre exatamente o mesmo com relação ao terrorismo islâmico. Ele existe há muito tempo, mas o número de vítimas que já provocou chegou a extremos nunca vistos. Comparados com as mais recentes atrocidades praticadas pelo Boko Haram ou pelo EI, os horrendos atos terroristas do Hezbollah ou o Hamas podem parecer tímidos.

Até para a Al-Qaeda a violência do EI é inaceitável. O comando central da organizaçã,o que foi liderada por Osama bin Laden, emitiu um comunicado distanciando-se do EI e esclarecendo que não tem vínculos com aquela organização. “Al-Qaeda não é responsável pelos atos do EI”, insistiu. 

As táticas e atividades do EI não surpreenderam somente a Al-Qaeda. Sua crueldade, eficácia e métodos de recrutamento também deixaram surpresos governos com enorme experiência em lidar com o terrorismo islamista. “O EI é diferente” é o resignado e reiterado reconhecimento das agências de segurança de países ameaçados pelo grupo terrorista. 

Do mesmo modo se manifestam os líderes do Partido Republicano que tentam impedir a candidatura de Donald Trump e os analistas políticos que nunca imaginaram que o empresário chegaria tão longe. “Trump é diferente”. Similar às ações terroristas do EI, as intervenções de Trump na política dos EUA não têm precedentes. Não se trata apenas das suas inusitadas mensagens ameaçadoras e as propostas agressivas. Trump também mudou a maneira tradicional de financiar as campanhas presidenciais, o uso dos meios de comunicação ou a relação com o establishment do seu partido. Sua habilidade para fazer com que milhões de pessoas acreditem em promessas que nunca serão cumpridas ou que se entusiasmem com a ideia de que basta Trump se tornar presidente para tudo melhorar, deixa os analistas perplexos. 

Um outro fator comum no caso do zika, do EI e de Trump é que os três são, em parte, fruto da globalização. De acordo com artigo da revista Science, o vírus chegou ao Brasil proveniente da Polinésia Francesa e, com a facilidade de se viajar atualmente e o aumento de turistas à época dos jogos da Copa do Mundo, ele se propagou rapidamente. Já há surtos de zika em 30 países e territórios das Américas. 

No caso do EI, com a globalização ficou mais fácil para o grupo recrutar jihadistas na Europa, enviar terroristas treinados para o Ocidente, vender petróleo, administrar suas finanças internacionalmente ou arrecadar doações em todo o mundo. 

E o que seria de Donald Trump sem os mexicanos que, segundo ele, “invadem” os Estados Unidos, os 11 milhões de “ilegais” que promete deportar ou os chineses que levaram milhões de americanos a perder seu emprego? 

Zika, EI e Trump são a continuação de antigos fenômenos. No entanto, na versão atual, são manifestações mais violentas e perigosas dos fenômenos que representam. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO