Uma nova receita para autocratas
Andrea G
El Estadão / Moisés Naím e tradução de El Estadão
O mundo já não digere mais tão bem os golpes militares como antes. Mas hoje os autocratas têm uma maneira de tramar um golpe para capturar o poder. Esta nova receita baseia-se mais em advogados do que em coronéis e, como ingredientes-chave, usa referendos e emendas constitucionais no lugar de tanques e assaltos a palácios presidenciais. Mas o resultado é o mesmo: um ditador que retém o poder por tempo indefinido. Como todas as receitas que se disseminam pelo mundo, cada país prepara a sua com seus próprios temperos. Por exemplo, a fórmula usada no Zimbábue, que mantém Robert Mugabe no poder há 29 anos, é mais mordaz do que a receita adotada na Rússia, onde, apesar de eleições e de um novo presidente, ainda é Vladimir Putin quem dita as regras.No Irã, onde é apreciada uma política temperada com religião, e onde o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, descreve a vitória eleitoral do presidente Mahmoud Ahmadinejad como "sinal divino", as milícias espancando os manifestantes contra as eleições são um ingrediente a mais fundamental. Na América Latina, um sabor essencial é a manipulação da Constituição. Em Honduras, Manuel Zelaya tentou seguir essa receita, reescrevendo as leis de seu país para conseguir criar um segundo mandato. Mas o resultado foi uma indigestão e uma tentativa, fracassada, de imunizar o país contra os estragos provocados por esse prato.Aqui está a nova receita para os autocratas em todo o globo.Ingredientes: Milhões de pobres; uma grande dose de desigualdade; uma pobreza inimaginável coexistindo com uma riqueza incomensurável; injustiças, exclusão social e discriminação racial e corrupção em grande quantidade.Elites econômicas e políticas complacentes que pensam "estamos no controle da situação; aqui nada sucederá"; partidos políticos desacreditados; uma classe média apática e desiludida com a democracia, a política e os políticos; Parlamento, Poder Judiciário e Forças Armadas enfraquecidos, depois de curtidos por muito tempo num caldo de indolência, ineficiência e corrupção - fica fácil comprar um juiz, um senador ou um general. Meios de comunicação usados por seus proprietários para promover seus próprios interesses eleitorais ou comerciais. Uma superpotência estrangeira neutralizada, distraída por outras prioridades e às voltas com excessivas emergências internacionais. Um público internacional com sério déficit de atenção e completamente desinteressado em saber como outros países são governados.Um inimigo externo fácil de denunciar como ameaça à nação. A CIA (Agência Central de Inteligência) é um alvo ideal. Um país vizinho também serve. Ou imigrantes com uma cor de pele diferente. Se não, sempre existem os judeus e o Mossad (serviço secreto de Israel)."As milícias populares", bem armadas e bem treinadas e prontas para quebrar as cabeças dos que ousam protestar contra o regime. Tais milícias não precisam ser numerosas, mas seus membros têm de ser violentos o bastante para intimidar a população, espancando, assassinando, sequestrando e praticando outros atos de violência.Preparo:1 - Agitar bem o segmento mais pobre da população com uma campanha de polarização. Eliminar toda a harmonia, e ao mesmo tempo manter em ebulição todos os conflitos sociais.2 - Chegar ao poder por meio de eleições democráticas, facilitadas por rivais corruptos e desacreditados e uma boa equipe de compra de votos.3 - Depois de vencer essa primeira eleição, realizar outras, mas não perder nenhuma. Eleições nada têm a ver com democracia - são apenas uma guarnição no prato.4 - Mudar o alto comando militar, promovendo oficiais leais ao presidente. Vigiar todos eles, o tempo todo.5 - Fazer o mesmo com juízes e magistrados.6 - Lançar uma campanha para mudar a Constituição, a ser aprovada por referendo popular. Obrigar os funcionários públicos e votar e garantir que sejam feitas campanhas de oposição contra a participação no referendo.7 - A nova Constituição deve garantir todos os direitos aos cidadãos, especialmente os mais pobres, com deveres e obrigações em segundo plano. Insira na nova Constituição, de maneira a não serem perceptíveis, dispositivos que enfraquecem ou eliminam a separação de poderes, concentram o poder na figura do presidente e permitem sua reeleição indefinida.8 - Desprestigiar, desvalorizar, cooptar, comprar e reprimir a oposição política.9 - Controlar a mídia. Tolerar alguns meios de comunicação que criticam o governo, mas cujo alcance é limitado. Eles podem ser sua cobertura contra acusações de que não há liberdade de imprensa.10 - Repetir a etapa de número três, indefinidamente. Bom apetite! *Moises Naim é escritor venezuelano e editor-chefe da revista ?Foreign Policy?