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Global Columns

Tentações de Obrador

Andrea G

El Estadão / Moisés Naím e tradução de Claudia Bozzo

O México não é a Venezuela e Andrés Manuel López Obrador não é Hugo Chávez. As diferenças são muitas e foram bem explicadas por diversos analistas. Mas isso não quer dizer que a experiência venezuelana dos últimos 20 anos não tenha contribuído para a nossa visão de como pode ser o México de Obrador.

Talvez a lição mais importante sobre que aconteceu na Venezuela seja que a continuidade é uma ameaça muito mais perigosa do que o populismo. O que afundou a Venezuela não foi a política populista de Chávez e de Maduro, mas quanto tempo continuaram no poder. O Estado falido que é incapaz de alimentar seu povo, dar-lhe medicamentos, proteger do crime ou reduzir a inflação mais alta do mundo é o resultado de ter o mesmo regime, feito a mesma coisa durante 20 anos. Cinco ou seis anos de más políticas prejudicam qualquer país.

Décadas de mau governo, da mesma camarilha que detém todo o poder, o destroem.

O que isso tem a ver com o México? Tomara que nada. Desde 1933, o artigo 83 da Constituição mexicana proíbe a reeleição do presidente. Até agora, nenhum presidente conseguiu mudar essa regra. Não porque alguns não tentaram, mas porque essa mesma Constituição impõe requisitos muito exigentes para sua reforma. Para mudá-la, é necessário que dois terços da Câmara dos Deputados e outro do Senado votem a favor, bem como metade das legislaturas locais. Nenhum governo mexicano teve tal nível de controle político. Até agora.

O triunfo eleitoral de Obrador e os agrupamentos políticos que o apoiaram foi tão grande que sua coalizão teria apenas de converter a seu favor alguns deputados e senadores para ter os votos para mudar a Constituição. E já tem o controle da maioria das legislaturas locais necessárias.

Tudo indica que, se o presidente Obrador quiser, poderá alterar o artigo 83. Se o fizer, ele não seria uma exceção, mas, pelo contrário, faria parte de uma longa lista de presidentes que querem mudar as regras para prolongar a sua permanência no poder. Rússia, Bolívia, Turquia, China e África do Sul são exemplos ilustrativos do que, infelizmente, é uma tendência mundial.

Os governantes que propõem uma mudança constitucional geralmente a justificam como um requisito indispensável para enfrentar com sucesso os grandes males do país. A luta contra a corrupção, a erradicação da pobreza e a justiça social são alguns dos objetivos frequentemente mencionados para explicar a necessidade de mudar a Constituição. Essas justificativas costumam ser um truque para distrair a atenção do público da principal motivação do presidente: perpetuar-se no cargo. 

Hugo Chávez, por exemplo, justificou a mudança constitucional que culminou concentração de poder em suas mãos e permitiu sua reeleição, repetindo ad nauseam que só adotando a sua nova Constituição poderia avançar a revolução bolivariana que traria mais prosperidade e igualdade para os pobres. Não foi assim. Essa mudança constitucional e a concentração de poder que este produziu criaram as condições que hoje dizimam os pobres cujos interesses Chávez dizia representar.

É possível que a experiência venezuelana com a mudança constitucional seja irrelevante para o México e o presidente Obrador se limite a governar durante o período constitucional de seis anos. E não tente ter mais poder do que já tem. Afinal, como presidente, ele será chefe de Estado, chefe de governo e chefe das Forças Armadas. Ele também é o líder de seu partido e líder da coalizão que o levou ao poder, que terá maioria absoluta no Congresso. Isso permitirá que Obrador promova iniciativas que terão a garantia de aprovação pelo poder Legislativo.

Além disso, você terá a possibilidade de colocar seus partidários em posições-chave do Judiciário, incluindo o Supremo Tribunal de Justiça.

O risco real é que Obrador caia na tentação de querer ficar por mais seis anos. Paradoxalmente, a experiência internacional sugere que quanto pior as coisas vão para os presidentes, mais intenso é o desejo de continuar no poder. Outra importante lição a se levar em conta é que os governos populistas geralmente começam bem e terminam mal. Depois de alguns anos, as políticas econômicas mais comuns entre os populistas são difíceis de sustentar e o empenho do governo de insistir com elas agrava seus efeitos indesejáveis.

Isso não tem que acontecer com o México nem com Obrador. Na verdade, o tom conciliatório que o próximo presidente mexicano adotou desde que ganhou as eleições deu muita esperança aos milhões de mexicanos que não votaram nele. O mesmo aconteceu com Chávez quando venceu as eleições. Ele prometeu o contrário do que acabou fazendo. Espero que esta não seja outra lição que os mexicanos serão obrigados a aprender. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO