Árabes asfixiados
Andrea G
El Estadão / Moisés Naím e tradução de Terezinha Martino
Nos 22 países do mundo árabe vivem somente 5% da população mundial. Mas 68,5% das mortes no mundo em lutas armadas ocorrem nesses países, dali se originaram 57,5% dos refugiados e 45% dos ataques terroristas globais (dados de 2014). Estas são algumas das aterradoras realidades documentadas no relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Mundo Árabe elaborado pelo Programa da ONU para o Desenvolvimento (Pnud).
Surpreendentemente, o foco do relatório não é a guerra. É a juventude. E esta é uma região onde não é possível falar de jovens sem levar em conta o efeito devastador dos conflitos sobre o presente e o futuro deles. É bastante apropriado que o tema do relatório seja os jovens. Dois terços da população árabe têm menos de 30 anos e a metade tem entre 15 e 29 anos. É o grupo humano com a maior taxa de desemprego do mundo e, dentro desse grupo, as mulheres jovens são as que têm as piores perspectivas de conseguir trabalho.
A média mundial de desemprego entre os jovens é 16%. Nos países árabes, ela gira em torno dos 47%. Segundo o Banco Mundial, nos próximos três anos, os países árabes teriam de criar 60 milhões de vagas de trabalho para absorver homens e mulheres em busca do seu primeiro emprego. Segundo o relatório do Pnud, o problema não está apenas no fato de as economias árabes não criarem número suficiente de empregos, mas nos seus sistemas de educação, que estão entre os piores do mundo, que não oferecem aos jovens conhecimento para navegar com sucesso pelo mundo de hoje ou habilidades úteis para encontrarem trabalho.
Hoje, 11 dos 22 países árabes estão em guerra. Além disso, a grande maioria da população do mundo árabe vive em países que ou foram palco de conflitos armados recentemente, estão envolvidos em conflitos hoje ou correm um grande risco de se envolver em um. Das 350 milhões de pessoas que ali vivem, 70 milhões estão no Sudão, Iêmen e Somália, e 67 milhões vivem na Síria e no Iraque. Entre 1988 e 2014, os gastos militares da região aumentaram duas vezes em média e a despesa per capita em armamentos chegou a ser 65% mais alta do que a média mundial. Desde 2009, houve um aumento de 21%.
O relatório não só enfatiza o impacto dos conflitos armados sobre os jovens, mas documenta as poucas oportunidades econômicas que eles têm, os péssimos serviços de saúde e educação à sua disposição, a discriminação contra as mulheres e a asfixia política de todos eles. Este último aspecto é um fator crítico que alimenta as frustrações e o desespero dos jovens árabes. Para a maioria, o futuro está fora do seu país.
É importante destacar que o primeiro desses relatórios do Pnud sobre a situação dos países árabes foi publicado em 2002 e rompeu com duas tradições. A primeira, que os estudos críticos sobre a região eram produzidos predominantemente por especialistas estrangeiros. A segunda, que a resposta automática de políticos e especialistas árabes às críticas sobre a situação dos seus países era no sentido de culpar o resto do mundo.
Entretanto, desde o primeiro relatório, em 2002, a cada ano um grupo de especialistas árabes respeitados oferece uma nova perspectiva sobre os problemas e suas soluções. Os autores acreditam que muitas das tragédias do mundo árabe são sequelas de colonialismo, do imperialismo, da Guerra Fria ou de intervenções armadas de EUA e Europa. E sabem também que as potências estrangeiras submeteram a região a seus interesses e conflitos.
No entanto, o que é novo nos relatórios é o fato de reconhecerem que muitos dos problemas da região não são importados, mas produzidos internamente. Portanto, podem ser resolvidos mudando algumas das condições que não são produzidas externamente, mas são fruto das realidades locais.
Um dos grandes méritos desses estudos é o seu pragmatismo. Mas pragmatismo pode ser uma faca de dois gumes. Como ocorre com todos os informes de organismos internacionais, há temas que este novo relatório prefere ignorar. Talvez o mais importante seja o impacto nos milhões de jovens árabes das ditaduras predatórias e das monarquias corruptas que os asfixiam. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO