Moisés Naím: Dois relatórios explosivos
Andrea G
El Estadão / Moisés Naím e tradução de Claudia Bozzo
Na semana passada, duas entidades especializadas publicaram seus respectivos relatórios. Ambos são aquele tipo de textos substanciais que costumam ser enigmáticos, tediosos e de pouco interesse para o público em geral. Mas esses dois são uma exceção. Não por causa de sua elegância literária, mas por causa de suas conclusões.
Um deles alerta que “a segurança nacional dos Estados Unidos está agora em maior perigo do que em qualquer momento em décadas anteriores”. Outro concluiu que “excessos especulativos em certos mercados financeiros pode estar atingindo um nível que ameaça a estabilidade econômica global” . Nem mais nem menos.
Estes não são relatórios alarmistas facilmente insignificantes. As instituições que os patrocinam e a credibilidade de seus autores fazem com que suas conclusões mereçam atenção. O primeiro, intitulado “Proporcionando uma Defesa Comum” é o resultado do trabalho de mais de um ano de um painel de doze reconhecido especialistas norte-americanos em segurança nacional, (seis nomeados pelo Partido Republicano e seis pelos democratas). Graças a um incomum acordo bipartidário, esses especialistas foram nomeados pelo Congresso dos EUA para avaliar a situação militar do país e fazer recomendações. O segundo texto foi apresentado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e intitulado “Soando o alarme sobre empréstimos alavancados”. É difícil saber qual dos dois títulos é mais desajeitado e indecifrável, ou o que mais tira a vontade de ler o texto ao qual se refere. Mas ambos contêm dados, diagnósticos e mensagens dignos de serem levados em conta.
A pesquisa do FMI descobriu que os riscos de instabilidade financeira estão aumentando por causa da fragilidade econômica dos países emergentes, das fricções causadas por conflitos sobre o comércio internacional, por uma maior incerteza sobre as políticas econômicas a serem adotadas pelos países e a tendência de alta das taxas de juros.
A instituição também destaca o fato de que o sistema bancário global está agora mais sólido e melhor regulado do que antes. No entanto, observa ainda que também aumentaram os riscos disseminados por empresas com altos níveis de endividamento. O FMI ilustra a gravidade do problema observando que surgiu um mercado global enorme e crescente para estes empréstimos para empresas extremamente endividadas, às quais grupos de bancos atuando em conjunto, continuarão a fornecer crédito.
Isso também está criando uma degradação perigosa dos padrões usados para conceder créditos. Apenas nos EUA, este tipo de empréstimo atingiu duas vezes o volume que alcançara antes da crise financeira de 2008. De acordo com o FMI, este mercado não é apenas gigante, mas também pouco transparente, o que desencadeia todos os tipos de alarmes e traz má lembranças: “Tendo aprendido há uma década a dolorosa lição de ameaças inesperadas ao sistema financeiro, os formuladores de políticas não devem ignorar estas.”
Embora o relatório do FMI e o dos especialistas em segurança nacional dos EUA abordem questões muito diferentes, o último também chama a atenção para os perigos da complacência na tomada de decisões. Se o FMI está preocupado com a inação de líderes no campo das finanças, os especialistas militares estão preocupados com o preparo inadequado dos EUA para sua defesa nacional. Isso é muito surpreendente, já que estamos falando de um país que gasta US$ 716 bilhões em suas forças armadas; quatro vezes mais do que a China gasta e dez vezes mais que a Rússia.
Apesar disso, os autores afirmam que “rivais e adversários estão desafiando os Estados Unidos em muitas frentes. Cada vez mais, a capacidade do país de defender seus aliados, seus parceiros e seus próprios interesses vitais está em dúvida. Se a nação não agir rapidamente para remediar essas circunstâncias, as consequências serão graves e duradouras”.
O relatório enfatiza que os EUA passaram décadas dedicando seu poder militar à guerra contra o terrorismo, negligenciando a preparação de suas forças armadas para conflitos contra potências como a China ou a Rússia. “Em um conflito futuro, os militares dos EUA podem sofrer um nível inaceitavelmente elevado de baixas e a perda de ativos importantes. Em particular, os Estados Unidos correm o risco de serem derrotados se seus militares forem forçados a lutar em duas ou mais frentes simultaneamente.”
O relatório conclui, identificando a maior ameaça ao poder militar dos EUA, “a desestruturação política e más decisões tomadas por ambos os partidos políticos têm enfraquecido fortemente a defesa do país.”
A dificuldade que os governos demonstram ao tomar decisões difíceis é um dos sinais destes tempos. Negar ou contornar problemas em múltiplas áreas - da mudança climática à imigração e da pobreza à desigualdade - são a norma e a falta de ação é um fator comum. Isso não é sustentável. Crises não esperam. / Tradução de Claudia Bozzo