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Global Columns

Guerra à verdade

Andrea G

El Estadão / Moisés Naím e tradução de Claudia Bozzo

É muito estranho o que está acontecendo nestes tempos com a informação. Ela está, ao mesmo tempo, mais valorizada e mais desprezada do que nunca.

A informação, aprimorada pela revolução digital, será o mecanismo mais importante da economia, política e ciência do século 21. Mas, como já vimos, também será uma fonte perigosa de confusão, fragmentação social e conflito.

Grandes quantidades de dados que antes não significavam nada agora podem ser convertidos em informações que ajudam a gerenciar melhor governos e empresas, curar doenças, criar armas ou determinar quem ganha as eleições, entre muitas outras coisas.

É o novo petróleo: após o processamento e o refino, tem um grande valor econômico. E se no século passado várias guerras foram causadas pela busca pelo controle do petróleo, neste século haverá guerras pelo controle da informação.

Mas, enquanto há informações que salvam vidas e são gloriosas, há outras que matam e são tóxicas. A desinformação, a fraude e a manipulação que fomentam conflitos estão crescendo tão rapidamente quanto as informações extraídas dos enormes bancos de dados digitalizados.

Alguns dos que controlam essas tecnologias sabem como nos convencer a comprar determinados produtos. Outros sabem como se empolgar com certas ideias, grupos ou líderes - e detestam seus rivais.

A grande ironia é que, ao mesmo tempo em que hoje existem informações mais facilmente disponíveis do que no passado, também existem mais dúvidas e confusão sobre a veracidade do que nos chega através dos meios de comunicação e das redes sociais.

Alan Rusbinger, ex-diretor do jornal britânico The Guardian, disse que “estamos descobrindo que a sociedade realmente não pode funcionar se não concordarmos com a diferença entre um evento real e um evento falso.

Você não pode ter debates, leis, tribunais, governança ou ciência se não houver acordo sobre qual é um fato real e qual não é.”

Muitas vezes, esses debates, em vez de focar na verificação dos fatos, concentram-se na desqualificação de quem os produz. Assim, cientistas e jornalistas são alvos frequentes daqueles que, por interesses ou crenças, defendem ideias ou práticas baseadas em mentiras.

Os cientistas que, por exemplo, geram dados incontestáveis sobre o aquecimento global ou aqueles que alertam para a necessidade imperativa de vacinar crianças já estão acostumados a ser difamados por suas motivações e interesses.

O ataque à imprensa e aos jornalistas

Os jornalistas são vítimas ainda mais frequentes dessas desqualificações. Embora os ataques dos poderosos incomodados pelos meios de comunicação não sejam novos, a hostilidade do presidente Donald Trump é inédita.

“Esses animais da imprensa, sim... são animais. Eles são os piores seres humanos que alguém pode encontrar... são pessoas terrivelmente desonestas”, disse ele. 

A imprensa como 'inimiga do povo'

Trump também popularizou a ideia de que os jornalistas são “inimigos do povo” que espalham notícias falsas - as famosas fake news. Trump mencionou notícias falsas no Twitter mais de 600 vezes e as cita em todos os seus discursos.

O sério é que Trump não apenas minou a confiança dos americanos em seus meios de comunicação, mas sua acusação foi bem recebida entre os autocratas do mundo.

Segundo Arthur Gregg Sulzberger, executivo-chefe do The New York Times, “nos últimos anos, mais de 50 primeiros-ministros e presidentes dos cinco continentes usaram o termo fake news para justificar suas ações contra os meios de comunicação”.

O fim da fronteira entre fato e ficção

Sulzberger reconhece: “Os meios de comunicação não são perfeitos. Nós cometemos erros. Temos pontos cegos”. No entanto, esse executivo é ambíguo ao afirmar que a missão do The New York Times é buscar a verdade.

No mundo confuso de hoje, onde tudo parece relativo e nebuloso, é bom saber que ainda existem aqueles que apostam que a verdade existe e pode ser encontrada. Esta posição é um bom antídoto contra as práticas daqueles que atentam contra a democracia e a liberdade.

Em 1951, Hannah Arendt escreveu: “O sujeito ideal de um regime totalitário não é o nazista convencido ou o comunista comprometido, são as pessoas para as quais deixou de existir a distinção entre fatos e ficção, o verdadeiro e o falso”.

Mais de seis décadas depois, essa descrição adquiriu validade renovada. É preciso recuperar a capacidade da sociedade de reconhecer e desmascarar mentiras. É imperativo derrotar aqueles que declararam guerra à verdade. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO