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Global Columns

Dois paradoxos

Andrea G

El Estadão / Moisés Naím e tradução de El Estadão

É normal que, em tempos de grandes mudanças, aumentem as contradições, confusões e perplexidades. O mundo se torna mais paradoxal. Entre os muitos paradoxos desses tempos, há dois que me chamaram a atenção.

Primeiro, por que os ditadores parecem estar apaixonados pela democracia? Em seu último relatório anual, a Freedom House conclui: “Em 2017, a democracia no mundo sofreu sua mais séria crise. Princípios fundamentais como eleições livres e justas, liberdade de imprensa e estado de direito estiveram sob ataque. No geral, 71 países sofreram um declínio nos direitos políticos e liberdades civis de seus cidadãos e apenas 35 mostraram progresso nesse campo. 

Há 12 anos consecutivos, a liberdade vem diminuindo. Nesse período, 113 países viram um declínio e apenas 62 apresentaram progresso na qualidade de sua democracia. Segundo as pesquisas, têm aumentado as dúvidas das pessoas sobre a democracia.”

O paradoxo é que, entre os ditadores, a democracia – ou, mais precisamente, votações para eleger o presidente – são comuns. E eles não se importam se é de domínio público que elas são fraudulentas. Em março, houve eleições presidenciais na Rússia e no Egito. Em maio, na Venezuela. Vladimir Putin venceu com 75% dos votos, Abdel Fattah al-Sissi, com 97% e Nicolás Maduro, com 68%. Certamente um bom desempenho, mas nada como o de Saddam Hussein, que em 2002 conseguiu 100% dos votos no Iraque.

Por que eles se dão ao trabalho de montar essa pantomima? Por que, simplesmente, não se declaram presidentes perpétuos e exercitam sua ditadura sem passar pelo ridículo de se disfarçar de democratas? 

A resposta é que a democracia lhes dá o que a repressão não pode: legitimidade. Os ditadores sabem que é muito arriscado depender apenas de armas, tortura e doações para se perpetuar no poder. As eleições, embora falsificadas, permitem que eles se apresentem diante de seu povo e do resto do mundo com uma maquiagem democrática que esconde o sangue daqueles que, por não pensar como eles, são torturados nas prisões e assassinados nas ruas.

O segundo paradoxo é: por que hackers e informantes espontâneos tiveram mais sucesso na luta contra a lavagem de dinheiro do que os governos? Após os ataques de 11 de setembro de 2001, os governos decidiram que “seguir o dinheiro” era uma das melhores estratégias para identificar e neutralizar as redes terroristas.

Portanto, muitos países adotaram leis e regulamentos mais duras para tornar mais difícil ocultar a identidade dos proprietários dos fundos ou a movimentação do dinheiro.

O resultado foi que, embora os governos tivessem algum sucesso em tornar o sistema mais transparente, seus esforços foram prejudicados pelas dificuldades de coordenação que os países geralmente enfrentam e pelas ações de advogados e especialistas em contabilidade, finanças e computação contratados para proteger seus clientes. Até que os delatores e os hackers aparecessem.

John Doe é o pseudônimo de alguém que tornou públicos 11 milhões de arquivos do escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca. Cada arquivo continha informações detalhadas de ativos depositados em diferentes bancos, as identidades de seus proprietários e todos os movimentos nas contas entre 1970 e 2015. A divulgação dessas informações, os Panama Papers, repercutiu em todo o mundo: incluía dados das contas de 12 chefes de Estado, alguns com fortunas inexplicáveis, de mais de 60 parentes e associados de políticos conhecidos, incluindo Putin, 8 membros da elite que governa a China e várias empresas ligadas a Donald Trump. 

Mas talvez a principal contribuição tenha sido revelar como funciona o sistema financeiro internacional que se esconde atrás de testas de ferro e empresas com proprietários desconhecidos, bem como os sofisticados instrumentos legais e financeiros usados para lavar dinheiro.Os Panama Papers não foram o único vazamento de segredos bancários. Houve outros antes e isso vai continuar a acontecer. Os vazamentos criam importantes dilemas éticos, mas também abrem os olhos do mundo. É paradoxal que tenham sido os hackers e os informantes agindo ilegalmente que tenham dado uma injeção de transparência ao sistema financeiro internacional.

Os responsáveis pela lavagem de dinheiro, os sonegadores de impostos e os corruptos que escondem seu dinheiro nessas instituições já não podem mais dormir em paz. Não tanto por ameaças de governos, mas de outros cidadãos que tomaram para si a tarefa de obter e revelar os segredos bancários do mundo. Nem os ditadores podem dormir em paz, não importa o quanto se disfarcem de democratas.