A culpa da crise na Venezuela é de Barack Obama
Andrea G
El Estadão / Moisés Naím e tradução de Terezinha Martino
Em 2014 o então presidente dos EUA afirmou, com desdém, que “a Rússia é um poder regional que só ameaça alguns de seus vizinhos mais próximos e esta não é uma manifestação de força, mas de fraqueza”. Barack Obama tinha razão e, talvez por isso, Vladimir Putin nunca o tenha perdoado. O líder russo era espião da KGB quando a União Soviética constituía com os EUA uma das superpotências que projetavam sua força militar em qualquer parte do planeta.
A URSS, porém, desmoronou e a influência da Rússia no mundo diminuiu. O impacto que isso teve sobre Putin foi tamanho que, em 2005, ele chegou a afirmar que “o desmantelamento da URSS foi a maior catástrofe geopolítica do século 20”. Para se colocar esta afirmação em perspectiva, basta recordar que, na 2.ª Guerra, a URSS perdeu 27 milhões de pessoas. Portanto, não surpreende que é uma prioridade para Putin devolver à Rússia o papel de superpotência.
No início da guerra civil na Síria, por exemplo, EUA e UE tinham uma influência preponderante. Putin não só conseguiu intervir no conflito, salvar o regime de Bashar Assad, mas também se transformou no principal ator político e militar. Hoje não existe acordo possível na Síria sem a presença e anuência do Kremlin.
No entanto, a expressão mais audaz e inovadora da nova capacidade da Rússia de moldar a política mundial foi sua intervenção nas eleições americanas em 2016. Segundo os serviços de inteligência dos EUA, a Rússia fez uma campanha de influência sem precedentes para interferir no processo eleitoral.
E não apenas nos EUA. Uma investigação do German Marshall Fund concluiu que “a Rússia interferiu em processos políticos de pelo menos 27 países por meio de ciberataques e campanhas de desinformação. Segundo o jornal britânico The Guardian, a Rússia interferiu no referendo sobre o Brexit e o espanhol El País informou o mesmo no caso da crise na Catalunha.
Diante de tudo isso, seria uma surpresa se Putin não tivesse um enorme interesse em influenciar na situação da Venezuela. Este país é um ex-aliado dos EUA que poderia voltar a girar em sua órbita e está a menos de três horas de avião da Flórida. Além disso, conta com as maiores reservas de petróleo do mundo e está imerso numa crise de amplitude global. E, se os EUA interferiram contra a Rússia em seus conflitos armados na Ucrânia, Geórgia, Abkházia e Ossétia do Sul, por que o Kremlin não pode intervir no quintal de Washington?
Mas nem tudo é política: muita coisa também é por dinheiro. E petróleo. A Venezuela deve muito dinheiro à Rússia e Hugo Chávez e Nicolás Maduro entregaram aos russos algumas das melhores jazidas petrolíferas como parte de pagamento, assim como 49,9% das ações da empresa Citgo Petroleum, uma cobiçada subsidiária americana da estatal de petróleo PDVSA.
Portanto, parece que a Venezuela é o alvo perfeito para a intervenção russa. Deve ser muito agradável para Putin saber que pode influir na política e na economia de um país situado a 10 mil quilômetros de distância. Mas, do mesmo modo que o inverno russo derrotou as tropas invasoras de Napoleão, em 1812, e as de Hitler, em 1941, o caos venezuelano pode derrubar o empenho russo na Venezuela em 2019.
Segundo o analista Vladimir Rouvinski, “a relação da Rússia com a Venezuela é uma história de oportunidades perdidas, investimentos multimilionários arriscados, enriquecimento suspeito de algumas pessoas e vasta corrupção. Moscou não pode correr o risco de a Venezuela se tornar símbolo de um dos maiores fracassos de Putin no cenário internacional”.
No entanto, outras pessoas na Rússia não enxergam assim. Nas mais altas esferas do Estado russo há três grupos que disputam o apoio de Putin a suas posições com relação à Venezuela: os economistas, os oligarcas e os geopolíticos.
Para os economistas, o imenso custo de reparar a devastação deixada pelos governos Chávez e Maduro é proibitivo e não justifica os benefícios de tutelar o distante país caribenho. Por outro lado, os oligarcas patrocinados por Putin sonham com o enorme benefício pessoal que pode resultar do controle sobre o petróleo e os minerais venezuelanos. Os geopolíticos, por sua vez, analisam as possibilidades que poderiam se abrir para a Rússia tendo um país satélite tão próximo dos EUA.
Veremos quem prevalece. Mas é óbvio que uma Venezuela livre das influências da autocracia russa e da ditadura cubana é um objetivo pelo qual devem lutar todos os democratas do mundo. Não apenas para libertar a Venezuela da indefensável ditadura de Maduro, mas também refrear as aventuras internacionais das autocracias que ainda perambulam pelo planeta. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO