Moisés Naím

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Armadilha populista

Paulo Paiva / O TEMPO

Com longa e triste história na América Latina e no Brasil, em particular, populismo poderia ser caracterizado por governos que opõem o “povo oprimido” à “elite corrupta e conspiradora” (Hawkins e Kaltwasser, 2017), cujo governante é carismático e cuja finalidade é a manutenção do poder para defender o “povo” das “elites”, sem compromisso quer com as regras democráticas, quer com a responsabilidade fiscal.

Os riscos do populismo são muitos. O primeiro é a ruptura com a democracia. Esse tipo do governo não convive com os controles do regime democrático, como independência e autonomia dos Poderes e com os limites dos pesos e contrapesos. Por isso pratica a tirania, sempre em nome do “povo oprimido”. O segundo risco, decorrente do primeiro, é a tentativa de controlar o processo eleitoral para evitar a alternância de poder, um dos pilares básicos da democracia. Nesse caso, o continuísmo é seu maior perigo (Moisés Naím, 2023).

Suas consequências são terríveis para o desenvolvimento, conforme demonstra a história da América Latina. O caso da Argentina é o mais emblemático. Foi um país desenvolvido até a primeira metade do século passado; a partir daí, vem seguindo sequência de crises políticas, governos populistas e ditaduras militares. Hoje, seus níveis de pobreza chegam a 40% da população, sua inflação atinge 100% ao ano, e seu PIB per capita está diminuindo.


Neste século, o Brasil vive subjugado à luta de movimentos populistas, com tendências autoritárias, independentemente de ideologias, que de fato são instrumentos utilizados para dividir a população e, em consequência, ascender ao poder. Não é a diferença entre esquerda e direita, mas sim as narrativas para ganhar e se manter no poder que distinguem os dois polos políticos radicais; estratégias, métodos e ações para manter o poder são semelhantes em Bolsonaro e Lula; o que os difere são suas narrativas construídas na pós-verdade.


Bolsonaro é um populista idiossincrático, sem partido, que usa com eficácia as redes sociais e se aproveitou do descalabro ético e do desastre econômico dos governos Lula e Dilma para crescer politicamente. Ao contrário, Lula tem um partido bem-estruturado e com forte burocracia e se apoia em movimentos sociais organizados ao longo das últimas décadas; seu sucesso, ademais, advém de seu poder carismático de persuasão.

O terceiro governo Lula, se, de um lado, apresenta ações promissoras nas áreas de educação, saúde e meio ambiente, de outro lado, mostra seu DNA populista (ver Paulo Hartung, “Encontros e desencontros governamentais”, no “Estadão”, de terça-feira passada).

Enfim, para sobreviver, um alimenta-se do sangue do outro. É por isso que Lula não olha para o futuro, mas busca sua energia política no ódio, no ressentimento e na vingança. Para se desenvolver, o Brasil precisa sair dessa armadilha populista.