Moisés Naím

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Um mundo sem a Europa

El Estadão / Moisés Naím e tradução de Celso M. Paciornik

Prever a crescente irrelevância internacional da Europa tornou-se tão comum como ridicularizar as loucuras de Bruxelas. O consenso é que em algumas décadas o peso das economias europeias no mundo está destinado a despencar para menos da metade do que é hoje.

Nos últimos anos, é cada vez mais difícil encontrar uma decisão da União Europeia que seja digna de aplauso. O projeto europeu hoje parece mais um programa de empregos para trabalhadores da classe média do continente do que um ideal de unidade e igualdade.

A incapacidade de enfrentar a crise econômica é apenas um sintoma de problemas mais profundos. Agora, a crise na Irlanda e sua potencial propagação para outras economias europeias fracas alimentam o pessimismo. O colapso do sistema monetário europeu poderá aplicar um golpe insuperável na unidade europeia. Que isso seria ruim para a Europa é evidente.

Menos evidente é que um mundo sem uma Europa influente e integrada é um mundo piorado para todos. A Europa irradia valores e padrões tão necessários quanto raros no mundo de hoje. O declínio econômico e político do Velho Continente reduzirá sua influência positiva sobre outros.

Conhecemos o atual repúdio das Europa à guerra, um legado de seus dois pavorosos conflitos no século 20. E sabemos também como o pacifismo europeu é tratado de maneira irônica zombeteira pelos que confundem aversão à guerra com fraqueza. Mas um mundo com um continente que prefere cometer erros tentando evitar a guerra é melhor que um mundo onde superpotências "rápidas no gatilho" não se importam em errar quando decidem travar guerras "preventivas".

Se um governo na Ásia, África ou América Latina começar a violar direitos humanos, "fazendo desaparecer" adversários políticos e prendendo jornalistas, quem o leitor gostaria que tivesse uma voz forte na comunidade internacional? O Partido Comunista Chinês? A Rússia de Putin? Ou a Europa?

O que o leitor prefere: um mundo no qual 5% da população acumula 95% da riqueza e o restante permanece pobre e excluído ou um mundo dominado por uma vasta, crescente e politicamente poderosa classe média? A Europa ainda batalha para alcançar esse segundo cenário.

O sistema de bem-estar social europeu é excessivamente generoso e muitos países não se podem dar esse luxo. Mas um modelo em que milhões de pessoas carecem de assistência médica ou estão condenados à pobreza poucos meses depois de perder um emprego ou depois de ficar velhos e doentes pode ser igualmente insustentável no longo prazo.

Enquanto o extremismo religioso prospera e divide países e sociedades por toda parte, o compromisso da Europa com o secularismo e a tolerância continua profundamente arraigado no que já foi o solo mais fértil de guerras religiosas.

O experimento europeu de governo coletivo é o mais ambicioso já tentado. Seu fracasso levaria muitos a rejeitar a ideia e se impedir de tentar algo parecido por algum tempo. Não sei se o projeto ambicioso de integração europeia sobreviverá aos enormes obstáculos que atualmente enfrenta. Mas sei que, se ele fracassar, o mundo inteiro arcará com as consequências. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK