Moisés Naím

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Os sentimentos anti-EUA

El Estadão / Moisés Naím e tradução de Terezinha Martino

Tanto os antiamericanos light como os líderes americanos compartilham a percepção de que o antiamericanismo light não é prejudicial. E isto é um erro. Os antiamericanos light sustentam que gostam dos EUA e criticar o governo é saudável e necessário, mas menosprezam sua política externa. Têm razão. A reação mundial contra algumas iniciativas dos EUA ajuda a limitar os excessos da potência que frequentemente comete erros. 

Mas eles se equivocam quando acham que suas denúncias não têm grandes consequências. As críticas desmedidas aos EUA alimentam rancores perigosos. Entre outras coisas, os antiamericanos mais violentos passam a acreditar que fazem parte de um movimento mundial que abrange bilhões de pessoas. Não é verdade, mas isto faz com que se sintam mais respaldados do que são.

Aqueles que difundem o antiamericanismo light, embora compartilhem dos valores e dos princípios que os EUA representam, corroem sua capacidade de defender tais princípios perante o resto do mundo. Ter influência internacional requer poder, mas também legitimidade. 

Não se trata de deixar de criticar ou não denunciar os erros dos americanos, mas entender que o rechaço automático, virulento e com base em calúnias e preconceitos pode ser tão mau para o mundo como dar aos EUA um cheque em branco para exercer seu poder sem entraves. Por exemplo, as reações exacerbadas pelo antiamericanismo light com certeza terão influência no momento de enfraquecer ou talvez alterar permanentemente a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Na Europa vem sendo debatida cada vez mais a criação de uma Organização do Tratado da União Europeia, como uma maneira de se “emancipar” dos EUA e como alternativa à OTAN. A relevância de muitas agências da ONU vem sendo corroída pelo antiamericanismo – como em 2001, quando os EUA perderam seu posto no Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos e foram substituídos por Sudão e Paquistão. 

Além disso, a estridência do coro mundial antiamericano mina o apoio da sociedade ao compromisso internacional do seu país. 

Muitos americanos têm dificuldade para entender porque seus impostos devem ser usados para financiar o papel internacional dos EUA. Por que devemos ser o xerife do mundo se isto provoca ressentimentos contra o nosso país? Por que nós é que tivemos de desmantelar a rede de corrupção da FIFA e não os países que mais têm a perder quando o futebol está tão corrompido? Na verdade, o antiamericanismo light que prevalece em muitos países é de grande ajuda para demagogos e isolacionistas irresponsáveis como Donald Trump. Mas essa perigosa despreocupação não é apenas responsabilidade dos antiamericanos light. Os políticos dos EUA há tempos manifestam desdém pelos efeitos negativos do antiamericanismo light. Entre os pesos pesados de Washington, a crença geral é de que não é possível fazer com que antiamericanos fanáticos mudem de opinião e é preciso lidar com eles por meio das agências de segurança e da polícia, ao passo que as acusações dos antiamericanos light têm pouca transcendência e devem ser ignoradas.

A anedota que circula em certos ambientes em Washington é que no mundo há muitos que pela manhã queimam bandeiras americanas ou explicam a seus alunos as maldades dos EUA, e à tarde fazem fila diante da embaixada americana em busca de um visto de entrada no país. Mas, para ter um papel construtivo no plano internacional, os EUA dependem tanto da boa vontade de outros governos como da eficácia do seu Exército. Por sua vez, essa boa vontade depende muito do humor e das atitudes dos eleitorados nacionais. Esta é apenas uma das razões pelas quais a influência mundial do antiamericanismo light é uma tendência perigosa. E não só para os americanos. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO