Moisés Naím

View Original

O segredo de Washington

El Estadão / Moisés Naím e tradução de Terezinha Martino

Quando uma jovem jornalista descobre seus crimes, Underwood a mata, empurrando-a nos trilhos diante de um trem. E essa é apenas uma das barbaridades que ele comete para atingir o seu objetivo: ser presidente dos Estados Unidos – objetivo que Underwood, claro, leva a cabo.

As histórias com base na premissa de que em Washington tudo vale e tudo se faz para conseguir e manter o poder estão em voga. E essa imagem não é alimentada somente por Hollywood. Todos os políticos americanos rotineiramente denunciam a capital de ser disfuncional e venal. E os candidatos mais profundamente arraigados na capital se declaram “anti-Washington” e prometem limpá-la se forem eleitos.

Além disso, o normal é que diplomatas estrangeiros sejam discretos quando se referem ao lugar para onde são enviados. Salvo se for Washington. Gerard Araud, embaixador da França nos EUA, por exemplo, declarou recentemente que “Washington é principalmente relações públicas”, acrescentando que “o problema é que ela é apenas a capital política.(...) De modo que você fica aqui imobilizado ou prisioneiro. Portanto, é preciso viajar muito”.

O que ocorreria se o embaixador dos Estados Unidos na França dissesse em uma entrevista que Paris é uma cidade frívola e ensimesmada? É fácil imaginar a manchete no Le Monde e a reação do governo. Em compensação, o desdém público do embaixador francês não teve repercussão. No final das contas, falar mal de Washington é normal.

É óbvio que o embaixador Araud sente-se asfixiado pela atmosfera da cidade onde se sente prisioneiro. Mas sua asfixia surpreende, já que Washington é a cidade com mais parques nos Estados Unidos e uma das cinco melhores para ciclistas, por exemplo. E se a asfixia é intelectual, o embaixador pode dar uma rápida escapada à biblioteca do Congresso, a maior do mundo, ou a um dos 225 museus da cidade. É o maior complexo de museus do planeta – que anualmente recebe o dobro do número de visitantes do Louvre.

Alternativas. Para aplacar sua sede de ideias e debates, o diplomata pode assistir a uma das centenas de reuniões que diariamente ocorrem nos 396 grupos de reflexão que existem na cidade e estão a alguns minutos da sua embaixada. Ou pode conversar com algum especialista do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional ou de algum dos muitos organismos internacionais que têm sede na capital americana.

O verdadeiro grande segredo de Washington é que é uma cidade extraordinária. As caricaturas que seus críticos fazem dela não têm muito a ver com a realidade. Claro que a capital dos EUA é uma cidade onde a política – com suas intrigas, vaidades, manipulações, misérias e grandezas – é muito importante e visível. Mas Washington é muito mais do que isso.

Em Washington, por exemplo, está o maior centro de pesquisa médica do mundo, o Instituto Nacional de Saúde. São seis mil cientistas e 148 dos seus pesquisadores, atuais ou passados, ganharam o prêmio Nobel. O orçamento anual do instituto ultrapassa os US$ 30 bilhões.

Washington é a capital mundial da medicina genética e lidera as buscas de curas do câncer. Tem também a população mais instruída dos EUA: 22% possuem diploma de pós-graduação e quase a metade tem nível universitário. Em parte, em consequência do alto nível de instrução, é a cidade mais rica do país. A renda média per capita dos habitantes da área metropolitana de Washington – que inclui os subúrbios do norte da Virgínia e Maryland – é a mais alta do país. Surpreendentemente, supera em 20% a renda média na segunda região mais próspera, o famoso Vale do Silício, sede de Google, Apple, Facebook etc.

A renda de Washington também ultrapassa as médias de cidades como Nova York, Los Angeles e Houston. Outro fator que contribui para a prosperidade da região metropolitana da capital é que a sua economia vem crescendo a um ritmo chinês: 7,6% ao ano desde 2006. Nenhuma outra área dos EUA cresceu com tamanha rapidez.

Finalmente, outra grande surpresa de Washington é sua diversidade. Entre os moradores nascidos fora dos EUA, 35% são provenientes da Ásia, 13% da África e 9% da Europa. E, claro, a grande maioria (48%) vem das Américas.

Isto não quer dizer que o governo federal, o Congresso e os milhares de lobistas que procuram influenciá-los e os meios de comunicação que cobrem as suas atividades não sejam uma parte importante de Washington. Mas não a definem.

De fato, os atributos menos conhecidos de Washington produzem uma espécie de vírus que contagia muitos dos que chegam pretendendo ficar pouco tempo, mas nunca mais vão embora. Como sucedeu com Frank Underwood. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO