Simplismos no Iraque
El Estadão / Moisés Naím e tradução de Celso Paciornik
A citação anterior é uma brincadeira inventada pelo humorista Andy Borowitz - que, por sua vez, foi colocada seriamente por Dick Cheney num artigo que publicou com sua filha Liz: "Poucas vezes um presidente dos Estados Unidos esteve tão equivocado, sobre tantas coisas, às custas de tanta gente. As ações de Obama, antes e depois dos recentes avanços dos jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Isil, na sigla em inglês) no Iraque aumentaram as ameaças estratégicas contra a segurança dos EUA. O presidente Obama parece estar decidido a deixar o cargo tendo degradado a América. Ele vai no caminho de assegurar que seu legado seja o de um homem que traiu nosso passado e dilapidou nossa liberdade."
A ironia de que o acusado seja um dos responsáveis pela catastrófica invasão do Iraque só é superada por sua desfaçatez. O artigo provocou uma enxurrada de reações recordando os muitos e trágicos erros de Cheney: "Não há dúvida de que Saddam tem armas de destruição em massa"; "Seremos recebidos como libertadores"; "Não precisaremos deixar muitos soldados no Iraque depois da invasão"; "Sunitas, xiitas e curdos viveriam harmonicamente em democracia"; "Os extremistas na região se verão obrigados a repensar sua estratégia de jihad"; entre outros. É evidente que o artigo se destina mais a influir na política interna dos Estados Unidos do que na política no Oriente Médio.
Cheney dirige-se aos que já "sabem" que Obama é um péssimo presidente cujas decisões costumam ser erradas. E assim, Cheney e sua filha se unem a uma longa lista dos que oferecem "soluções" para a situação na Síria e no Iraque, soluções que, segundo os críticos, o presidente e sua equipe ignoram, não entendem, não sabem executar ou, como diz Cheney, Obama as refuta porque está empenhado em degradar a influência do país.
O interessante das recomendações para enfrentar a complicadíssima situação é que os críticos de Obama não são somente republicanos, mas também membros de seu partido. Uma das críticas mais comuns é que Obama não armou a oposição síria que enfrenta Bashar Assad.
"Armar os moderados" é o mantra dos que acusam Obama de ter abandonado a Síria. Também o acusam de ter abandonado o Iraque: os críticos insistem em que Obama não devia ter retirado todas suas tropas, mas deixado um contingente para enfrentar emergências militares. E o que recomendam fazer agora no Iraque? Atacar com drones o Isil, que invadiu o Iraque vindo do território da Síria. Propõem também depor o primeiro-ministro xiita Nuri al-Maliki, substituindo-o por um líder menos sectário que provenha do consenso entre os grupos sunitas, xiitas e curdos.
Perigo. O problema dessas recomendações é que elas são de um simplismo enorme e perigoso. E todas supõem que Obama e EUA têm mais poder, capacidade e conhecimento do que a experiência recente repetidamente demonstrou.
"Armar os moderados da Síria" supõe que os EUA sabem quem são e podem garantir que as armas que vão fornecer não cairão em mãos de seus inimigos. Isso apesar de alguns efetivos do Isil terem sido vistos portando equipamentos que os EUA enviaram aos moderados. Deixar tropas americanas no Iraque ficou impossível uma vez que o governo de Maliki, por pressão do Irã, se negou a permiti-lo.
"Drones contra fanáticos" é outra ideia muito distante de ser uma solução mágica para problemas que não se resolvem com robôs. Talvez seja preciso usá-los para deter a Isil, mas, como se viu no Afeganistão, os drones não solucionam o problema e ainda criam outros.
O mesmo vale para a proposta de tirar Maliki do poder. É inevitável mas, com a sua saída, não desaparece a infernal política entre as seitas e tribos iraquianas. Segundo o humorista Borowitz, o único consenso que há entre esses grupos é que Cheney se cale.
E não é má ideia que também sejam mais sóbrios os que têm soluções "óbvias" que supõem que o governo dos EUA tudo sabe e tudo pode. Foi o fato de agir com base nessa suposição que debilitou a superpotência. / Tradução de Celso Paciornik