Moisés Naím

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Do prodígio ao perigo

El Estadão / Moisés Naím e tradução de Anna Capovilla

Pelo quinto ano consecutivo, em 2015, a América Latina registra um crescimento econômico inferior ao exercício anterior. E entre 2010 e 2015, as economias da região expandiram-se em média a uma taxa de apenas 40% do ritmo registrado entre 2003 e 2010.

Inevitavelmente, esses reveses econômicos e suas consequências sociais terão efeitos importantes na política. Em alguns países, a deterioração econômica criará as esperadas oportunidades para que se substituam chefes de Estado e grupos políticos há mais de dez anos no poder. Em outros, a má situação econômica alimentará conflito social, paralisia de governos e uma perniciosa instabilidade, o que, por sua vez, trará importantes incógnitas políticas.

A situação em que um período de grande auge econômico é seguido por um súbito e doloroso declínio da economia, não é uma experiência nova para a América Latina. Ao contrário, é um evento recorrente. Segundo as estatísticas, é a região mais volátil do mundo. Mas o atual episódio no qual uma expansão foi suplantada por um período de baixo ou nulo crescimento, por desvalorizações da moeda, mais desemprego, cortes dos gastos públicos e queda da renda dos trabalhadores, tem características novas.

Uma delas é que o auge foi mais acentuado e teve consequências mais amplas e mais benéficas para os mais pobres. Segundo José Juan Ruiz, economista chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o crescimento econômico relativamente elevado ocorrido durante o período prodigioso traduziu-se em mais avanços sociais do que no passado ou do que em outros países emergentes. Anteriormente, o maior crescimento econômico contribuía para melhorar as condições dos menos favorecidos, mas nunca como ocorreu recentemente. 

Outra novidade é que foram registradas pela primeira vez significativas reduções dos altos índices de desigualdade econômica da região. Governos utilizaram a bonança produzida por um ambiente financeiro externo favorável e pelo aumento dos preços das exportações de matérias-primas para financiar programas sociais mais abundantes e eficientes. Segundo o BID, entre 2005 e 2012, os gastos públicos em programas sociais aumentaram o dobro da taxa de crescimento econômico da região e passaram de 5% da economia como um todo para 19%.

Graças a tudo isso, durante o período de extraordinária expansão econômica, a população em situação de pobreza caiu de 34% para 21%, com a formação da classe média mais numerosa que jamais existiu na América Latina. Atualmente, um terço dos latino-americanos pertence à classe média - em 1990, eram 17%. É essa nova, ampla, porém ainda economicamente precária classe média que está ameaçada de ser forçada a viver novamente em condições de pobreza. 

Politicamente, esse fenômeno é inédito e explosivo. A reação dessa nova classe média, mais numerosa, qualificada, ativa, conectada e com maior capacidade de organização já cria enormes desafios para os governos que devem fazer frente a essa nova e difícil situação econômica. As expectativas e aspirações dessa nova classe média são grandes e revolucionárias.

Segundo pesquisas do Latinobarómetro, 50% dos latino-americanos acreditam estar em situação melhor, em termos econômicos, e que esta melhora é permanente e se deve principalmente ao seu esforço pessoal.

Lamentavelmente, em breve, muitos descobrirão que a melhoria de sua renda não é tão permanente e irreversível. E o seu esforço pessoal não basta para manter as melhores condições de vida alcançadas nos anos prodigiosos. É por isso que vivemos, agora, anos perigosos. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA