Moisés Naím

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Quem substitui os EUA?

El Estadão / Moisés Naím e tradução de Terezinha Martino

Na coluna da semana passada, abordei uma das maiores surpresas da política internacional dos últimos tempos: a decisão dos EUA de, unilateralmente, ceder espaços de poder nos quais até agora desfrutava de uma ampla liderança. Conclui perguntando: “Quem preencherá o vazio de poder?” Disse que não seria a China. Tampouco acredito que será a Rússia. Então, quem?

Quando escrevi a coluna, não imaginava que, alguns dias depois, Donald Trump anunciaria sua decisão de retirar os EUA do acordo sobre o clima assinado em Paris, unindo-se a Nicarágua e Síria, os dois únicos países que não assinaram o pacto.

A decisão ilustra bem o fenômeno de uma superpotência que cede poder sem que lhe seja tirado por seus rivais. O ex-secretário de Estado John Kerry qualificou a decisão de “grotesca abdicação de liderança”. Para o analista Fareed Zakaria, “os EUA renunciaram ao papel de líder do mundo livre”.

Nos EUA, três governadores, 30 prefeitos, 80 reitores de universidades e dirigentes de mais de 100 grandes empresas anunciaram que levarão à ONU um plano conjunto para que seu país cumpra as metas de redução de emissões de carbono estabelecidas em Paris. Jeff Immelt, diretor da gigantesca empresa GE, escreveu no Twitter: “Fiquei decepcionado com a decisão. A mudança climática é uma realidade. A indústria deve agora assumir a liderança e não depender do governo.”

Na China, Shi Zhiqin, pesquisador do Centro Carnegie-Tsinghua, afirmou: “Embora o governo de Pequim só possa manifestar seu pesar pela decisão de Trump, a China vai manter seus compromissos e cooperar com a Europa”. Assim, a liderança neste campo muda da Casa Branca para os governos regionais e locais e para a sociedade civil. E dos EUA para a Europa e a China.

Mas a luta contra o aquecimento global não é o único contexto em que os EUA vêm abdicando de sua liderança internacional. Outro, e muito importante, é a Europa. Foi o que a chanceler alemã, Angela Merkel, deixou explícito depois dos recentes encontros com Trump: “Os tempos em que podíamos contar com outros acabaram, tal como percebi nos últimos dias. Nós, europeus, devemos tomar nosso destino em nossas próprias mãos. Claro que temos de manter relações amigáveis com EUA, Reino Unido e nossos vizinhos, incluindo a Rússia. Mas devemos lutar pelo nosso futuro.”

Uma curiosa ironia é que, sem querer, Trump pode estar contribuindo para o ressurgimento geopolítico de uma Europa oprimida por problemas econômicos e institucionais, pela crise dos imigrantes, pelo terrorismo islâmico e pelo expansionismo russo. E, mais importante, é a oportunidade que se abre para a China aproveitar o vazio deixado pela saída dos EUA.

A expectativa é a de que a China esteja destinada a substituir os EUA como potência dominante. A queda da influência americana precede a chegada de Trump, embora suas decisões iniciais, como tirar o país do Acordo de Paris e da Parceria Trans-Pacífico podem ter acelerado a perda da influência internacional do país.

Será então a China a nova potência hegemônica que dominará o mundo? Afirmar que sim é ignorar importantes realidades que limitam o potencial hegemônico do gigante asiático. Embora a China seja uma potência econômica e militar, também é muito pobre, comgraves problemas sociais, financeiros, ambientais e políticos. 

Seu modelo político tampouco é muito atrativo para os cidadãos de outros países. Não significa que ela não terá uma clara liderança em alguns assuntos globais – como mudança climática, por exemplo, ou uma enorme ascendência em algumas partes da Ásia. Ou que não participará das decisões que dizem respeito ao mundo inteiro.

Mas uma coisa é “participar” das decisões e outra é ser aquele que as toma. Tudo indica, como previu Zbigniew Brzezinski, que entramos numa era pós-hegemônica em que nenhuma nação terá o domínio do mundo como antes. A partir desse ponto de vista, a saída dos EUA não significa que o país se tornou irrelevante. Não será a superpotência que costumava ser, mas não deixará de ter poder. O Pentágono, Wall Street, o Vale do Silício, Hollywood e suas universidades continuarão sendo fontes de influência internacional. E a Casa Branca? Nem tanto. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO