Moisés Naím

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Nem caravana, nem economia

El Estadão / Moisés Naím e tradução de Roberto Muniz

Donald Trump apostou na caravana e perdeu a Câmara dos Deputados. Enquanto o presidente usava todas as oportunidades eleitorais para alertar seus seguidores sobre a iminente invasão do país por uma caravana de refugiados centro-americanos, as mulheres americanas se organizavam para votar... em mulheres.

Nos dias seguintes às eleições de meio de mandato nos EUA, duas realidades ficaram evidentes. A primeira é que ninguém mais fala na caravana, nem mesmo Trump. A segunda é que, graças a seu recente êxito eleitoral, agora há nos EUA mais mulheres em posições de poder que nunca.

Essa conquista deve muito ao presidente Trump: suas políticas, sua conduta e até seu estilo mobilizaram milhões de mulheres que, pela primeira vez, “se politizaram”. Primeiro, organizaram multitudinárias “marchas de mulheres”. Em seguida, se organizaram para que suas queixas tivessem consequência. Depois, milhares delas decidiram candidatar-se a cadeiras no Congresso, governos estaduais e assembleias municipais. Por último, votaram em massa. E venceram.

Por enquanto, a politização das mulheres beneficiou majoritariamente o Partido Democrata. Isso se deveu em parte a que o Partido Republicano já vem sofrendo há décadas do chamado “vazio de gênero”, ou seja, a dificuldade de atrair mulheres para suas fileiras. 

Por outro lado, como indicam as pesquisas e os resultados eleitorais, a “tomada” do Partido Republicano por Trump e sua turma alargou ainda mais a brecha de gênero. De novo: o resultado foi o aumento do número de mulheres que se candidatou a cargos eleitorais, assim como do número das que saíram vitoriosas na votação. 

Outra surpresa nas eleições foi que as aspirações e reivindicações das mulheres tivessem mais peso no resultado eleitoral que a economia. E uma surpresa ainda maior foi que Trump dedicasse mais atenção e tempo à caravana que à boa situação econômica do país que preside. 

A economia americana está em franca expansão, o desemprego é o mais baixo em décadas e os salários estão subindo num ritmo que não se via desde 2009. Trump, claro, fazia sempre referências à economia em seus discursos, mas o que mais arrancava aplausos de seus seguidores eram suas críticas ferozes aos imigrantes, aos jornalistas (“os inimigos do povo”) e sua insistência nos temas divisionistas que ele tão habilmente explora. 

Em 1992, James Carville, assessor do candidato Bill Clinton, cunhou a frase “é a economia, estúpido” para induzir sua equipe a enfatizar a frágil situação econômica que o país então atravessava. A frase acabou sendo o slogan da campanha eleitoral que levou Clinton à presidência. Daí em diante, foi adotada como uma espécie de mantra eleitoral, o de que não se deve perder tempo com outros temas: a situação econômica é a chave para se ganhar (ou perder) eleições. 

Nunca saberemos o que teria acontecido se Trump tivesse respeitado essa regra de ouro eleitoral, ou se tivesse se concentrado em ressaltar e comemorar a próspera situação econômica, e não em dar tanta prioridade a temas que dividem a sociedade americana. 

Não há dúvidas de que sua agenda e suas mensagens que exacerbam o conflito social serviram para fazer com que o Partido Republicano aumentasse sua maioria no Senado. Mas também não há dúvidas de que suas políticas e mensagens serviram também de poderoso combustível para estimular e mobilizar a oposição, fazendo com que os republicanos perdessem a Câmara por ampla margem. 

Por último, uma surpresa reveladora dessas eleições de meio de período foi o sumiço do debate eleitoral de um importante tema pendente na agenda do país: as armas. 

Em fevereiro, um jovem de 19 anos entrou numa escola secundária de Parkland, na Flórida, assassinou 17 pessoas e feriu outras 17, na maioria estudantes. Alguns dos sobreviventes revelaram-se organizados e muito bons comunicadores. Nos dias e semanas que se seguiram à tragédia, esse grupo de jovens conseguiu criar uma ampla e intensa discussão nacional sobre a necessidade de se regulamentar mais a compra e posse de armas. 

A intensidade dos debates levava a prever que o tema seria parte inevitável da campanha que antecedeu as eleições. Não foi. Embora fossem eleitos vários representantes do Partido Democrata que se atrevem a enfrentar abertamente o NRA, o todo-poderoso e muito bem financiado lobby das armas, a discussão sobre a necessidade de se reformar as leis nesse campo brilhou pela ausência. 

No dia seguinte às eleições, um homem armado entrou em um bar na Califórnia e, sem dizer nada, assassinou uma dezena de pessoas, suicidando-se em seguida. Neste ano já ocorreram 307 ataques semelhantes. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ