Mitos do terrorismo jihadista
El Estadão / Moisés Naím e tradução de Roberto Muniz
Um exame de mais de 330 condenados por tribunais dos EUA após o 11/9 por crimes relacionados ao terrorismo jihadista revela um perfil que contrasta com as crenças mais comuns sobre quem são esses terroristas. Quando cometeram os crimes pelos quais estão presos tinham, em média, 29 anos. Um terço era casado, outro terço tinha filhos. Tinham o mesmo grau de escolaridade que a média da população dos EUA. A incidência de problemas mentais no grupo estava abaixo da média do país. Outro dado importante é que, depois do 11/9, todos os ataques com mortos motivados pelo terrorismo islamista cometidos nos EUA foram executados por cidadãos dos EUA ou por residentes legais no país.
Resumindo, os terroristas islamistas que atuaram nos EUA depois do 11/9 são pessoas surpreendentemente comuns. E não vieram de fora. São americanos que viveram sempre, ou na maior parte da vida, no país. Vale ainda assinalar que, nos EUA, é 3 mil vezes mais provável que uma pessoa morra assassinada pelo tiro de um compatriota sem motivação ideológica do que por um radical islâmico.
Esses dados são de Estados Unidos da Jihad, um livro recente de Peter Bergen, especialista em terrorismo que ganhou fama em 1977 por seu papel de produtor da primeira entrevista à televisão de Osama bin Laden. O livro faz uma dissecação do que Bergen chama de “terroristas colhidos em casa”. São os americanos que se radicalizam e se tornam soldados de uma guerra santa contra os infiéis, particularmente contra o Ocidente, inspirada numa interpretação extremista e distorcida do Islã.
A grande pergunta é: por quê? O que faz com que pessoas que, à primeira vista, não aparentam grandes diferenças do restante da população se convertam em jihadistas? Não se sabe. Não há consenso entre os especialistas.
Mas algumas coisas são claras. A radicalização para a violência jihadista tem determinantes e contextos diferentes em cada país. O jovem francês que mata inocentes e em seguida se suicida gritando “Allahu Akbar” teve uma experiência de vida diferente da de seu equivalente que faz o mesmo nos EUA. Na França, por exemplo, menos de 10% da população é muçulmana, mas 70% da população carcerária é. Não é o caso dos EUA, ainda que seja esse o país com maior porcentagem de população encarcerada. A integração dos muçulmanos à vida econômica e social nos EUA é mais harmônica e dá mais oportunidades de futuro que outros países.
Outra característica frequente, mas não universal, dos jihadistas é a existência de um “gatilho”: uma tragédia pessoal, graves dificuldades econômicas, o desconsolo pela perda de um ser amado ou um fracasso amoroso.
Mas também se chega ao jihadismo por meio de processos psicológicos mais complexos e menos evidentes. A Associação Americana de Psiquiatria publicou em seu boletim mensal um artigo que recapitula os resultados das pesquisas mais recentes sobre o tema. Os psiquiatras centralizam sua explicação na necessidade que têm todos os adultos jovens de conseguir um certo “alívio existencial”. E acrescentam: “Isso implica descobrir quem a pessoa é, a que grupo pertence, quais seus valores, qual o sentido de sua vida, que pode aspirar a ser e como pode mostrar seu valor ao mundo ... Para os jovens marginalizados, que às vezes estejam em transição de uma sociedade para outra, o processo de formação de identidade pode ser uma tarefa desesperadora”.
Os psiquiatras concluem: “As razões pelas quais os jovens se ligam a organizações terroristas têm pouco a ver com ser pobre, muçulmano ou psicopata e mais com as vulnerabilidades da natureza humana exacerbadas por certos aspectos das sociedades ocidentais ... Para os jovens ocidentais que estão em transição e se sentem marginalizados, solitários, perdidos, aborrecidos, espiritual e existencialmente despossuídos e sobrecarregados pelo excesso de liberdade, o Estado Islâmico e outras ideologias superficiais, mas contagiosas, continuarão sendo muito tentadoras como soluções instantâneas para as profundas dificuldades inerentes à condição humana”.
Essa visão psicológica não traz muitas ideias práticas de como prevenir o terrorismo jihadista. Mas pelo menos desmascara os preconceitos que passam por fatos inquestionáveis e nos faz ver o perigo de adotar políticas com base em falsas presunções. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ