Moisés Naím

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Classe média se levanta

El Estadão / Moisés Naím e tradução de Roberto Muniz

O que um agricultor de Iowa, um desenhista gráfico do Chile, um aposentado do Reino Unido e um contador da China têm em comum? Duas coisas: pertencem à classe média de seu país e estão furiosos com seus políticos.

Suas desilusões estão transformando a política e trazendo surpresas, como a eleição de Donald Trump, o Brexit, a defenestração política de presidentes e uma onda mundial de protestos de rua. 

Nos países em que a classe média se viu prejudicada, os ânimos políticos estão fervendo. A globalização, as crises financeiras, a imigração, a automatização, as desigualdades, o nacionalismo e o racismo abrem caminho para os aventureiros da política que vendem ideias ruins como sendo boas. 

Não acontece apenas nos países ricos. A classe média de países pobres como Brasil, Turquia, Indonésia, China ou Chile compartilha das angústias que afligem seus pares da América do Norte e da Europa. Ela também está protestando nas ruas e nas urnas. 

Isso é paradoxal, visto que nas últimas três décadas centenas de milhões de pessoas na Ásia, América Latina e África saíram da pobreza e passaram a fazer parte da maior classe média que já existiu. Mas também essa classe média está descontente. 

Não são convulsões novas. Em 2011, escrevi que “a principal causa dos conflitos que se aproximam não serão os choques entre civilizações, mas a indignação gerada pelas expectativas frustradas de uma classe média que está em declínio nos países ricos e em ascensão nos países pobres”. 

“É inevitável”, escrevi, “que alguns dos países desenvolvidos atribuam o declínio econômico de sua classe média à ascensão de outros países. Descobrimos que o aumento da prosperidade econômica de uma sociedade não a protege da instabilidade política.” 

O economista Homi Kharas estima que hoje 42% da população mundial pertença à classe média, que a cada ano aumenta em 16 milhões de pessoas. Segundo Kharas, do 1 bilhão de pessoas que vão se incorporar à classe média nos próximos anos a imensa maioria, cerca de 88%, viverá na Ásia. 

É natural que quando a classe média cresça também cresçam suas expectativas. Seus novos integrantes costumam ser mais educados e estão mais conscientes de seus direitos. Têm mais condições de exigir e pressionam seus governos, que frequentemente não têm os recursos e a capacidade institucional para responder adequadamente às novas demandas. 

Ruptura. Muitos desses países de menor renda começam a mostrar fissuras semelhantes às dos Estados Unidos e Europa. Nos países pobres em que a classe média cresceu a situação política se descontrolou. Os partidos e os políticos “de sempre” sofrem cada vez mais derrotas frente a novos e improváveis adversários. 

Existem muitos motivos para esse grande descontentamento no mundo, apesar de os índices de vida estarem melhorando. Mas sem dúvida o acesso mais fácil à informação é um fator crucial. É mais difícil controlar pessoas mais bem informadas. Quando bilhões de pessoas, simplesmente por terem um telefone celular, podem inteirar-se de como vivem os demais, há muita probabilidade de que se sintam insatisfeitas com sua situação. As novas classes médias desejam salários cada vez mais altos, saúde mais barata, melhor educação para os filhos, igualdade, melhores serviços públicos e mais liberdade de expressão. Mas a “conectividade” mais barata e acessível não é o único fator que alimenta a instabilidade política. Também contam a urbanização, migrações, aumento das desigualdades e até uma nova intolerância com corrupção, autoridade e hierarquias. 

O que vai acontecer? Está claro que vamos continuar vivenciando grandes mudanças impulsionadas pela classe média. Nos países ricos, onde o nível de vida da classe média caiu, esta exigirá de seus políticos concessões e mudanças nas regras vigentes. A reacomodação será inevitável, bem como o repúdio “ao mais do mesmo”. 

De sua parte, as novas classe médias dos países de menor renda seguirão sacudindo os sistemas políticas que permitam a ampliação da brecha entre as expectativas das pessoas e a capacidade dos governos de atendê-las. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ