Moisés Naím

View Original

As marcas do século 21

El Estadão / Moisés Naím e tradução de Roberto Muniz

Existem décadas em que não acontece nada e semanas em que décadas acontecem. Essa frase, atribuída a Lenin, capta muito bem os tempos atuais. Tem acontecido de tudo. A cada dia acordamos com notícias que nos surpreendem e abalam. Algumas - geralmente as melhores - se originam no mundo da ciência e da tecnologia; outras, com frequência ruins, nos chegam da economia e da política. As inovações em medicina, materiais, energia ou informática não param de nos surpreender.Como sempre, a economia e a política também alteram o mundo. E quais foram os eventos políticos e econômicos mais importantes no que vai deste século? Cada um tem sua lista e essa é a minha - pessoal e arbitrária -, que resumo em seis datas. 

11 de setembro de 2001. Nesse dia, morreram 2.996 pessoas e mais de 6 mil ficaram feridas no ataque terrorista da Al-Qaeda aos Estados Unidos. Os prejuízos ultrapassaram US$ 10 bilhões. Mas o maior impacto não foi causado pelos atentados terroristas e sim pela reação do governo dos EUA, que deu início no Afeganistão à guerra mais longa da história americana (15 anos) e, no Iraque, à terceira mais longa (quase 9 anos). Os atentados e a reação de Washington também tiveram enormes consequências internacionais. O surgimento do Estado Islâmico, a guerra na Síria e a crise dos imigrantes na Europa são tragédias cujas origens se encontram na invasão do Iraque e suas consequências. 

11 de dezembro de 2001. Após 16 anos de negociações, a China passou a fazer parte da Organização Mundial do Comércio (OMC), formalizando assim sua decisão de integrar-se à economia capitalista e globalizada. O gigante asiático já vinha se abrindo ao comércio internacional e promoveu reformas que distanciavam sua economia do modelo comunista. Depois de entrar na OMC, a China acelerou ainda mais seu extraordinário crescimento econômico. Tornou-se o centro manufatureiro do mundo e compradora voraz de matérias-primas. A demanda da China fez subir os preços desses insumos, o que beneficiou os países que os exportam. Essa bonança econômica contribuiu para criar a maior classe média da história. Além disso, a China também se converteu numa potência financeira. 

15 de setembro de 2008. Esse foi o dia em que o banco Lehman Brothers se declarou em falência, o que deflagrou uma crise financeira da qual muitos países, especialmente da Europa, ainda não se recuperaram. A crise fez com que os governos de Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Chipre não pudessem pagar ou refinanciar suas dívidas. Enormes empresas entraram em colapso, os preços de ações nas bolsas de valores caíram, assim como os preços de propriedades imobiliárias. Essa crise teve consequências sociais que ainda hoje moldam a política de muitos países. Ela também trouxe ao centro do debate político a desigualdade. 

4 de novembro de 2008. O primeiro homem de raça negra é eleito presidente dos Estados Unidos. A chegada de Barack Obama à Casa Branca surpreendeu o mundo e muitos de seus compatriotas. Ainda é cedo para avaliar o legado de Obama, mas não há dúvida de que seus oito anos como presidente produziram mudanças que marcarão o futuro de seu país e do mundo. 

12 de dezembro de 2015. Representantes de 196 países assinam em Paris um acordo para reduzir as mudanças climáticas causadas pela atividade humana. Resta saber se essa data passará à história como uma promessa não cumprida ou como o dia em que a humanidade começou a fazer esforços para evitar a catástrofe climática. 

23 de junho de 2016. Esse foi o dia em que os britânicos votaram por sair da União Europeia. A importância da data transcende o Reino Unido e a Europa. As mesmas forças sociais, econômicas, políticas e tecnológicas que levaram a tal resultado contribuíram para a eleição de Donald Trump e outros populistas em todo o mundo. 

Sei que não incluí alguns eventos muito importantes. Convido vocês a que os proponham por meio do Twitter: @moisesnaim/ TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ